Congresso 2015

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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Permanência e Mudança [parte 3]



Prof. Dr. Maurício Pagotto Marsola*



3. Entre Mercúrio e Vulcano.

Para concluir, podemos evocar dois outros termos componentes do vocabulário da temporalidade que os antigos gregos usavam: o ephemerós e o kairós. O ephemerós indica a fugacidade e a passagem rápida de uma determinada realidade. Assim, por exemplo, a vida das plantas e dos homens, certas realidades humanas. O kairós, por outro lado, indica o momento oportuno, o tempo certo para se realizar algo. Em outras palavras, a oportunidade. Uma vez passado o momento oportuno, o tempo estará perdido; uma vez perdida, a oportunidade não mais voltará. É necessário saber apreendê-la. Sua percepção é um dom conferido por uma deusa, Métis, que significa a astúcia, a inteligência astuta, que era a patrona de todas as artes e técnicas. É da reflexão que a antiga medicina fazia acerca do saber apreender o momento oportuno em sua fugacidade, pois é a vida humana que está em jogo, que provém o conhecido provérbio: Longa é a arte, breve é a vida, o momento oportuno, fugidio, e a experiência, difícil. Celeridade, rapidez, agilidade, apreensão do momento oportuno e habilidade para executar uma tarefa em tal momento, para os antigos gregos e romanos, são dons valiosos tanto quanto o respeito pelos antigos e suas tradições. 

Há duas entidades mitológicas, que representam esse antagonismo entre rapidez e habilidade permanente: Mercúrio e Vulcano. Mercúrio é o deus que possui asas nos calcanhares, ele é veloz, mensageiro de Júpiter, ele pode percorrer toda a extensão da terra em uma fração de segundos. É um deus que está o tempo todo se transformando, passa por várias metamorfoses. Já Vulcano é o deus artesão, que necessita de tempo e paciência para realizar suas tarefas. Há dois tempos, portanto, o tempo de Mercúrio e o tempo de Vulcano. Eles são complementares. Muitas vezes, o imediatismo é obtido à força de pacientes e minuciosos ajustamentos, como diz Ítalo Calvino, em suas Seis propostas para o novo milênio, ao falar acerca da rapidez: “uma intuição instantânea que apenas formulada adquire o caráter definitivo daquilo que não poderia ser de outra forma; mas igualmente o tempo que flui sem outro intento que o de deixar as ideias e sentimentos se sedimentarem, amadurecerem, libertarem-se de toda impaciência e de toda contingência efêmera” (cf. Seis propostas... [São Paulo, Cia das Letras, 1990], p. 66). 

Dizíamos que Nietzsche analisava o tempo moderno como tempo que tem por paradigma a velocidade da máquina. Ao tempo da máquina, da indústria, Nietzsche opunha o tempo da vaca. A vaca é o animal símbolo da temporalidade exigida pela reflexão filosófica, pois ela é um animal lento e ruminante. As ideias precisam ser ruminadas e amadurecidas. É preciso paciência. Essa paciência da reflexão Hegel simbolizava com a coruja de Minerva, símbolo da Filosofia, que levanta voo apenas após o anoitecer. É animal noturno, mas vê o que vários outros não têm condições de ver. 

Permitam, então, que proponhamos uma reflexão final que indique a necessidade de se pensar no tempo da vaca e no voo da coruja de Minerva. Ele supõe paciência e respeito aos ciclos necessários à vida e à reflexão, assim como os antigos monges respeitavam o tempo cíclico do dia marcando-o com o sinal das horas de celebração do ofício divino. Esse tempo nada mais é o que um tempo humano, com todas as suas grandezas e limitações. Humanizar o tempo. 

Além disso, o que é ser atual ou ser antigo, na fugacidade do tempo? Ser anacrônico, portanto, evocando o antigo para pensar a si mesmo e o desafio do mundo que nos cerca, pode ser profundamente atual, buscar o que permanece em meio ao que muda. O anacronismo é uma instância crítica e reflexiva. 

Concluímos com uma narração com a qual Ítalo Calvino, no mesmo texto, conta uma história chinesa: “Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsè estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsè disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. ‘Preciso de outros cinco anos’, disse Chuang-Tsè. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsè pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu”. (Idem, p. 67). 

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* Professor da UNIFESP.

Texto apresentado no 1º Congresso sobre Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista, promovido pela Unidade Central de Recursos Humanos da Secretaria de Gestão Pública.

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