Congresso 2015

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segunda-feira, 21 de maio de 2012

A estabilidade funcional e a eficiência no serviço público - Parte 6



Lais Fraga Kauss*




6 EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS – Entrevistas


Com vistas a exemplificar e diversificar opiniões, foram formuladas quatro questões e submetidas a gestores públicos. Desde já, é objeto de grande agradecimento a disponibilidade e presteza com que os Doutores concordaram com a colaboração e enriquecimento deste trabalho.

Seguem as respostas.

6.1 QUAL A MAIOR DIFICULDADE GERENCIAL ENCONTRADA NO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES PÚBLICAS?

"A estrutura é a maior dificuldade. Tanto com relação ao material humano como a própria instalação física e seus acessórios." (Dr. Fabrício Faroni Ganem – Procurador Federal chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS desde mar/2010 até abr/2011)

"A absoluta falta de planejamento das ações do Serviço público, o engessamento das estruturas hierárquicas aliado a falta de meios materiais para o bom desempenho. O despreparo dos ocupantes de cargo de chefia também influi de forma decisiva no mal andamento do setor." (Dr. Renato Rabe – Procurador Federal)

"Regras pouco flexíveis para escolha (com perfil desejado para a função) e rotação de funcionários." (Dr. André Soares Loureiro – Chefe de Departamento do BNDES)

"Ausência de estrutura e relacionamento interpesssoal que tem como causa uma equivocada visão de que a segurança e a estabilidade são os principais atributos de um cargo público, quando á rigor, deveria ser a própria prestação do serviço como forma de atender aos anseios do interesse público de forma eficiente e contínua" (Dr. Ronaldo Espíndola Cataldi – Procurador Federal – Chefe do Serviço de Consultoria da Procuradoria Regional do INSS no Rio de Janeiro)

"Escassez de recursos, tanto humanos quanto matérias. Em relação aos últimos, com um pouco de criatividade e paciência conseguimos boas soluções. Já no que importa aos recursos humanos, o problema é de difícil solução. A maior dificuldade (entre diversas outras) que percebo é a grande heterogeneidade do corpo funcional: há Procuradores muito bem preparados e comprometidos com o interesse público, enquanto outros nem tanto.
Há profissionais com um perfil mais afeto à área consultiva ou ao contencioso. Lidar com perfis diferentes, entendo, exige do gestor posturas diferenciadas. Entretanto, há um grande clamor por critérios objetivos, pela minimização da discricionariedade dos gestores, pelo tratamento absolutamente igualitário, o que torna a lida com estas diferenças um grande desafio gerencial.
Entre os servidores administrativos, a questão é ainda mais crítica, pois o fosso que separa os mais bem preparados dos menos é muito mais largo. Em um grupo de cerca de uma centena de servidores da Procuradoria, tem-se um espectro que varia dos parcamente alfabetizados a pós-graduados. Há um número excessivo de servidores, que não conseguem, respeitadas honrosas exceções, prestar a assessoria devida à atividade fim dos Procuradores." (Dr. Olavo Bentes David – Procurador Federal – Sub-Procurador Regional da Procuradoria Federal Especializada do INSS – 2ª Região)

"Motivar os servidores a desempenharem suas funções com responsabilidade, rapidez e eficiência." (Dra. Laura Rangel de Oliveira – Analista Judiciária - Diretora do Departamento de Autuação e Distribuição Criminal – 2ª Vice-Presidência do TJRJ)

6.2 ESPECIFICAMENTE EM RELAÇÃO À GESTÃO DOS SERVIDORES, QUAIS AS MAIORES DIFERENÇAS ENCONTRADAS SE COMPARANDO COM A GESTÃO PRIVADA?

"A maior diferença é a impossibilidade de escolha por parte do gestor público. Na iniciativa privada, a sua equipe é escolhida por você, diferentemente do serviço público, onde a sua equipe lhe é entregue, normalmente sem muitas opções de escolha." (Dr. Fabrício Faroni Ganem – Procurador Federal chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS desde mar/2010 até abr/2011)

"No setor privado existe um investimento maior na qualificação do empregado, bem como uma cobrança maior em relação a resultados. Existe a cobrança dos órgãos públicos com relação a acidente do trabalho e condições materiais. Curiosamente o mesmo Serviço público que cobra condições de trabalho da iniciativa privada não provê estas mesmas condições aos seus servidores públicos.
O RJU prevê inúmeras formas de punição do servidor público, e o INSS é um dos que mais demitem no Brasil. Assim, a hipótese de que o servidor não é demitido não condiz com a realidade. Assim, apenas a possibilidade de demissão não justifica mal comportamento de Servidor.
O jardim botânico, onde trabalhei, é uma autarquia bem servida de cargos em comissão exercidos por pessoas não concursadas. A pessoa que vem de fora para exercer um cargo público, normalmente não tem qualquer noção do que deve fazer ou as regras que permeiam o serviço público, está intimamente associada ao dirigente ou ao partido político que a indicou e sem compromisso efetivo com a instituição. Assim, entendo que o concurso público é a melhor forma de ingresso no serviço." (Dr. Renato Rabe – Procurador Federal)
"Falta de mecanismos para premiação (remuneração variável individualizada) e punição (demissão)." (Dr. André Soares Loureiro – Chefe de Departamento do BNDES)

"Falta de comprometimento, falta de dedicação e falta de continuidade na gestão." (Dr. Ronaldo Espíndola Cataldi – Procurador Federal – Chefe do Serviço de Consultoria da Procuradoria Regional do INSS no Rio de Janeiro)

"Não sou grande admirador da gestão privada. Há muito mito em torno da excelência gerencial dos administradores privados, mas, como regra, o que importa é a competitividade exacerbada, a instabilidade absoluta e a dedicação total à empresa, muitas vezes passando-se por cima dos mais comezinhos princípios éticos.
Em relação à gestão pública de servidores, a maior dificuldade, creio, reside na dificuldade de se aplicar pequenas sanções. Para as faltas mais graves, tem-se a sindicância e o processo administrativo disciplinar. São ambos procedimentos longos, com formalidades que têm que ser seguidas e que muito bem se adaptam para as faltas graves ou medianas. Para as pequenas, não faz sentido a abertura de um PAD ou sindicância, pois o trabalho que se tem para cumprir as formalidades dos procedimentos é incompatível com natureza da falta.
Muito se fala na estabilidade do servidor público como um empecilho à gestão. Não concordo com esse postulado. Considero o binômio concurso público x estabilidade pressuposto de uma boa prestação de serviços público." (Dr. Olavo Bentes David – Procurador Federal – Sub-Procurador Regional da Procuradoria Federal Especializada do INSS – 2ª Região)

"O setor público não estimula seus servidores a se atualizarem e a se esforçarem para que o desempenho de suas funções tenha mais qualidade. Não há incentivo para aqueles que se destacam, nivela-se a produtividade e a eficiência sempre pela média, fato que desmotiva os melhores." (Dra. Laura Rangel de Oliveira – Analista Judiciária - Diretora do Departamento de Autuação e Distribuição Criminal – 2ª Vice-Presidência do TJRJ)

6.3 QUAL O PERCENTUAL DE SEUS ATUAIS SERVIDORES VOCÊ CONTRATARIA SE NÃO FOSSE NECESSÁRIO O CONCURSO PÚBLICO?

"Quando eu estava na chefia eu contrataria, aproximadamente, 5% dos meus servidores. Não me refiro aqui aos procuradores." (Dr. Fabrício Faroni Ganem – Procurador Federal chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS desde mar/2010 até abr/2011)

"Lembro que a maioria dos servidores hoje em atividade não são oriundos de concurso público, mas sim de contratação sem concurso público ou de ascensão funcional (regra vigente até a constituição de 1988). Dentre os concursados contrataria 100% dos mesmos, porque entendo que a contratação por concurso público é melhor forma de acesso ao cargo público. As autarquias que surgiram depois da constituição (p. ex. as agências) os Servidores têm alto padrão e são contratados dentre os melhores profissionais do mercado e sem vínculo com políticos.
É visível a diferença entre um Procurador concursado e um que veio de ascensão funcional. Hoje a grande maioria já é de concursados. A simples contratação de Procuradores por concurso público foi suficiente para promover uma verdadeira revolução de legalidade e bons préstimos à nação.
Já os que ingressaram no serviço sem concurso ou que ascenderam internamente, estes são vinculados ao poder político que os colocou ali (maioria dos servidores do INSS, por exemplo). Com relação a esses servidores, realmente existe uma visível falta de qualificação para ocupar o cargo e falta de compromisso com a finalidade pública. Para este grupo o percentual reduz-se para 30%." (Dr. Renato Rabe – Procurador Federal)

"2/3" (Dr. André Soares Loureiro – Chefe de Departamento do BNDES)

"10%" (Dr. Ronaldo Espíndola Cataldi – Procurador Federal – Chefe do Serviço de Consultoria da Procuradoria Regional do INSS no Rio de Janeiro)

"Entre os Procuradores, 80%. Entre os servidores, 20%." (Dr. Olavo Bentes David – Procurador Federal – Sub-Procurador Regional da Procuradoria Federal Especializada do INSS – 2ª Região)

"Cerca de 50%." (Dra. Laura Rangel de Oliveira – Analista Judiciária - Diretora do Departamento de Autuação e Distribuição Criminal – 2ª Vice-Presidência do TJRJ)

6.4 VOCÊ ENTENDE QUE A SEGURANÇA DA ESTABILIDADE, AINDA QUE FACTUAL NOS CASOS CELETISTAS, NO SERVIÇO PÚBLICO REPERCUTE NA EFICIÊNCIA? DE QUE FORMA?

"Não acredito que o regime seja muito determinante na eficiência. Eu acredito que um processo seletivo mal feito e um plano de carreira desvalorizado repercutem na eficiência. Além disso, acredito que um órgão desinteressante pode afetar no rendimento dos trabalhadores." (Dr. Fabrício Faroni Ganem – Procurador Federal chefe da Procuradoria Federal Especializada do INSS desde mar/2010 até abr/2011)

"A estabilidade repercute de forma positiva, pois impede que o mau hálito político invada a repartição pública e mantém o bom profissional. Quanto ao mal profissional o RJU possui regras de punição bastante severas e que  já são suficientes para estabelecer o comando dentro do serviço." (Dr. Renato Rabe – Procurador Federal)

"Comprometimento limitado em alguns casos." (Dr. André Soares Loureiro – Chefe de Departamento do BNDES)

"Sem dúvida sim. Isto porque não se vê o serviço público como um fim em si mesmo, há uma equivocada visão de que a segurança e a estabilidade são os principais atributos de um cargo público, quando á rigor, deveria ser a própria prestação do serviço como forma de atender aos anseios do interesse público de forma eficiente e contínua." (Dr. Ronaldo Espíndola Cataldi – Procurador Federal – Chefe do Serviço de Consultoria da Procuradoria Regional do INSS no Rio de Janeiro)

"Apesar das distorções causadas pelo excesso de corporativismos, considero a estabilidade funcional positiva, como já dito.
Por certo, a estabilidade tem que estar associada à seleção por concurso público e à boa remuneração. Aí se garante a formação de quadros de servidores acima da média do mercado.
Mais do que a estabilidade, o que repercute negativamente na eficiência do serviço público é o corporativismo exacerbado. Exemplo marcante é a facilidade com que um servidor obtém licença médica. Quem, no serviço público, não presenciou alguma vez a uma declaração do tipo "se o chefe fizer (ou não fizer) isso ou aquilo, vou tirar uma licença médica". É como se a licença médica fosse uma prerrogativa do cargo, não havendo, para o seu gozo, o pressuposto da incapacidade temporária.
Distorções como essas são extremamente nocivas e independem da estabilidade." (Dr. Olavo Bentes David – Procurador Federal – Sub-Procurador Regional da Procuradoria Federal Especializada do INSS – 2ª Região)

"Infelizmente, sim. O que deveria ser fonte de tranquilidade para o bom desempenho da atividade pública, em grande parte dos servidores é motivo para ineficiência, vez que, mesmo não cumprindo de forma satisfatória o que lhes compete fazer, nada lhes acontece, não podem ser demitidos, a não ser nos casos especiais previstos em lei." (Dra. Laura Rangel de Oliveira – Analista Judiciária - Diretora do Departamento de Autuação e Distribuição Criminal – 2ª Vice-Presidência do TJRJ)



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*Lais Fraga Kauss

Procuradora Federal. Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS no Rio de Janeiro - Advocacia-Geral da União - Procuradoria Regional da PFE-INSS 2ª Região. Pós Graduada em Direito Constitucional – Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Público e Privado – Universidade Estácio de Sá – EMERJ. Graduada em Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

*Artigo originalmente publicado na Revista JUS Navigandi e autorizada a publicação pela autora.

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